segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Extra - É Natal, a Cidade está em Festa.

Sexta-feira, 24 de dezembro de 2010, seria apenas mais uma noite de plantão naquele grupo policial. A sociedade vive a expectativa de comemorar o nascimento de Jesus, é vespera do Natal.

A movimentação na base é tranquila, estamos cientes de nossas obrigações com a segurança e proteção dos cidadãos. Tudo está calmo, em ordem, aparentemente teremos um Natal atípico nesta violenta cidade.

As horas passam vagarosamente, a discontração entre o contingente é geral, sorrisos, brincadeiras, confissões, afinal é 24 de dezembro e faltam poucas horas para o Natal.

Me sentia estranho, algumas vezes tinha a impressão de que meu peito estava apertado, faltava-me ar, algo me incomodava, não sei precisar o que, opto em caminhar sozinho pela base, quem sabe assim aquela sensação deixasse de habitar meus pensamentos e eu conseguisse acalmar meu espírito.

Sexta-feira, 24 de dezembro, 20 horas e 33 minutos para ser mais preciso, ouve-se o toque do telefone, a base silencia no aguardo de informações. O silêncio é interrompido pelo estridente toque da sirene, todos se preparam, sou o último a ingressar na viatura, me deparo contemplando a base e os colegas que lá ficavam, entro e partimos.

Como já era de se esperar ao ingressar no local do chamado somos recebidos por disparos, descemos sorrateiramente da viatura, tudo esta confuso em minha mente, crianças brincam aos arredores, uma ingênua comemoração do nascimento de Jesus.

Avançamos, ouvimos novos disparos, a tensão aumenta a cada instante, em meio a troca de tiros um objeto movesse pelo chão, estamos avançando, ganhando terreno, quando da escuridão um vulto surge, uma criança atrás de seu brinquedo. Faço sinal para que fique parada, ela não entende e responde meu aceno com um sorriso angelical em seu pequeno rosto, Deus ela esta brincando na linha de fogo, não sabe o perigo que corre ali.

Percebo os riscos que aquela ingenuidade se expusera, naquele típico dia de Natal. Olho ao redor, nenhuma movimentação inimiga, parece terem desistido de atirar, aproveito a oportunidade e, mesmo sendo repreendido pelos demais colegas, coloco-me a correr em sua direção, alcanço a criança, quando ouve-se um único disparo, um grito ecoa por aquela favela, a criança chora.

Inicia-se a corrida da tropa em nos buscar, o choro é cada vez mais assustador, aquele rosto, antes angelical, agora ilustrava as faces do medo, sinto puxarem meu braço, olho ao redor, minha visão parece embaçada, tiram a criança debaixo do meu corpo, ela esta bem, suja de sangue mas sem feridas, percebo um gosto amargo na boca, vejo vultos, não consigo reconhecê-los, ouço alguns dizeres, "vamo, vamo, bora, toca pro hospital...".

Sinto toques em meu rosto seguidos de uma voz de comando, "não dorme, não dorme...", minha respiração esta cada vez mais dificil, sinto sede, cansaço, meus olhos querem descansar ... "acorda Tenente, Acorda...".

Meu corpo dói, minha mente flutua, estou sendo conduzido sob um corredor claro, aos gritos, uma mistura de homens que vestem negro e outros com cores claras, minhas vestes são rasgadas. Me esforço para abrir os olhos, reconheço alguns rostos desolados se afastando lentamente.

As horas passam, continuo cercado por aquelas pessoas de branco, ouço um som pouco usual, um "bip", intercalado por vozes. Esforço-me para abrir os olhos, observo, com dificuldades, através de um vidro, aqueles vultos negros com gesto apreensivos.

Lhes autorizam a entrada na sala, sinto alguém pegar minha mão, estou confuso, ouço uma voz suave dizer "calma Jonh, vai ficar tudo bem com você". Todos estão parados ao meu lado, cabeças baixas, pronunciam algumas palavras em tons praticamente inaudíveis, sinto aquela voz suave me confortar com palavras de força, minha mão continua abrigada sob aqueles suaves toques de afeto.

Estou perdido, a dor é imensa, de quem são aquelas mãos suaves? e aquela voz doce?

Me esforço para manter os olhos abertos, tento identificar quem me segurava carinhosamente e acalentava meu espírito com aquela voz. A imagem vai se formando, os traços se definindo, vejo um sorriso naquela face, tento esboçar um gesto, não consigo, a dor está aumentando gradualmente, a respiração esta cada vez mais difícil, meus olhos lacrimejam e cerram.

Uma única lágrima discretamente brota daqueles olhos fechados, minha mão, antes protegida e acariciada agora balança solta ao ar. O "bip" adquire tons de um alarme frenético, que se confunde aos fogos que anunciavam o nascimento do Menino Deus.

Aquela sensação de paz antes sentida, agora encontrasse atordoada pelos fogos que não cessavam, de súbito sento-me na cama, assustado, suado, olho para os lados, estou sozinho em meu quarto escuro, a solidão habita aquele recinto, esta tudo bem Jonh, volte a dormir, afinal é Natal e a cidade esta em festa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário